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TRAJETÓRIAS PARA O REAL
APRESENTA



ANANDAR


Por Feller-Huhtala
          Pra cima, respira, impulso com as pernas. Pra cima, respira, impulso com as pernas. Respira, isso, a parte importante, ‘lembre’, aos poucos pra frente, mas na espera que a borda não chegue. A impressão que se tem é que estamos fazendo tudo certo, maravilha de movimento, cada vez mais alinhado, apenas o pulso das pernas poderia mudar, pelo menos uns milímetros, nos levar mais à frente em menos tempo. Será a borda o problema? Não chega a concluir o pensamento, distante, um olhar aleatório anuncia ‘tem que sair’, abortado o questionamento, melhor. Saímos intactos.
          Vagarosamente elas se movem, aferradas, quiçá, ao movimento passado, sem impulso, sem fé, não quer mais chão. É isso, só pode, conclui a cabeça que cansou de respirar. Mas ela mesma nos informa, não há opção, ‘tem que andar’, pelo mesmo caminho, eterna bolha de quadras que se confundem, melhor, que se repetem em planos ordenados de uma desordem.
           Desloca-se, por fim, repete os passos, adianta sensações, rompe, costura, atende o telefone. Do outro lado da linha, parecem lhe dizer que é terra mesmo. Mas, não consegue entender até tentar deslocar de novo, puxa e já não se move. Agora com mais força, ‘isso’. Também não funciona. A mão pendente na ligação, os sapatos saem, o pé não.
         A voz do outro lado insiste, tem que voltar, tem que ficar onde há terra. Ai mesmo, parada. Formando barro, sujando sapatos, brotando. Toda terra te preencheu, ‘não te deste conta? ’. Mais uma vez tenta, à força dessa vez, ‘hay que salir’.  Puxa de novo, agora sim, pareceu subir, alguns torrões de terra acompanham, sacode um pouco para ver se consegue seguir, ainda não. Mais uma puxada e, enfim, a vê, ainda que não entenda da onde parte, apenas conclui que acaba ali, junto a si.
            Outros torrões, outra sacudida e ali está ela forte, num liame imenso e de fixação conclusiva, não abandonará a sola do pé. Uma das mãos segue presa a voz do outro lado, alertando que, sim, ela existe, ‘como não tinha percebido? ’, questiona. Talvez mera distração, responde. Diante do cenário inconteste, cabe reconhecer que passou despercebida até então, ainda que, vez ou outra, restasse um pouco de terra à porta da casa, ‘poderia ser de outro lugar’, afinal, sou vento, não terra, sou fogo, não água.
     Ligação segue, professando a necessidade de voltar, pregando a eterna fé dos desvalidos, desesperançosa sem pessimismo. Crua e violenta a voz segue, cada vez mais alta, como se decibéis a mais bastassem. Sabemos que não basta, o que há é terra. Abandona a chamada, atenta para a mesa ao lado. Num ímpeto chega, abre a gaveta de uma memória qualquer e encontra a lâmina. Pondera o peso da decisão, afinal, depois disso volta a ser vento.
          É marola, constrói e desconstrói castelos. É terra, mas não tem raiz. Movimenta-se como o vento, no benefício de ser mar. Lembra da vantagem do vento, solta pipa com, forma castelos de cartas sem.
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