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TRAJETÓRIAS PARA O REAL
APRESENTA
18:45
Bateu a porta atrás de si, na parede, as setas indicavam: 18:45, ainda há tempo. Apenas não sabia para que, sempre fora de ter mais perguntas caladas que respostas, essas insistiam em lhe tirar de seu conforto. Não há porque ter pressa, adiantar o desconforto da borda parecia estupidez. Olhou mais uma vez ao redor, o ponteiro gesticulando pela sala parecia se mover, quem não se movia da janela era ele. Restara preso, numa aparente cortina que o distanciava de si, do tempo passado, já sem futuro. Engasgara com as palavras, confessara na caligrafia.
Espasmos tardios o sustentavam ali. O pensamento, abandonado dentre tantas gavetas abertas, parecia contradizer a vagareza das palavras sentidas, via a tela e já não enxergava. Como podia isso? Agora também o olhar se alterava, lembrou com exatidão do instante, noutro tempo já quimérico, em que a resposta retumbou dentro de si frente a decisão: confiar ou não confiar no mar? Confiara, gritou e emudeceu, não se recordava.
Correra o risco de apostar em seu próprio vão, valendo-se do instinto que lhe fora dado, presente do céu agora rompido? Não sabia a resposta, bem o reconheceram como pessoa sem respostas, mas com saberes. Parecera nunca lhe atrair os prazeres seguros e suas meias vidas da razão, mas o pulsar atraia ele? A resposta estava na pergunta, afinal, sempre soube farejar seu odor, sem mar ou vento que lhe perturbassem. Meias vidas nunca foram sua direção, a escolha era mera formalidade, pressentia o gosto do asfalto.
Havia prometido, havia entregue, qual seria o problema do mar? Não entendia, a razão nunca lhe fora amiga, dizia que era mar, mas era vento, e, por sua própria natureza, agora movia os céus. Neste simulacro, que tão firmemente a razão havia sustentado, mantinha as palavras em seu cárcere. E eis que quando, finalmente!, estavam libertas, foram as pernas que ganharam seus sonhados milímetros de outrora. Um olhar mais atento lhe sussurrou em sonho: ‘o céu desceu’. Ele não mais precisava subir, o vento havia vencido a disputa.
Afastando-se da janela percebeu, o tão honroso controle desaparecera e, contraditoriamente, ali mesmo o resgatara, não pela razão, mas por essa voz que saira de si, escarrada, cuspida, quase lamentada. Ao final, sempre soube, talvez pela própria constatação quanto a impossibilidade de viver sozinho, que havia de confiar, sempre confiar em si. Como podia haver esquecido que o sentir era o seu reino? Talvez não esquecera, apenas precisava alcançar a terra firme para recordá-lo.
Neste mover dos ventos entendeu: o céu deve descer ao chão, tal como o sentir deve ser terra, no singular. A dádiva do existir havia aportado, com a devida precisão da voz dada aquilo que o encorajava a chegar aos céus em terra - ainda que supostamente cruel e invencível, sempre inegável. Agradece, já não é mais um reflexo na janela ou um truque polissêmico de um mágico que se escondera por detrás das palavras. O vento havia cortado as raízes do mar, agora, sabia de si, de seus próprios sóis e céus e mares. A trajetória para o seu real havia chegado!
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