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TRAJETÓRIAS PARA O REAL
APRESENTA
Fagulhas de si
Por Feller
Falaram-lhe que era parte constituinte da condição humana. E mais que isso, que era quase sinônimo de sobrevivência, que fora ele quem garantira nossa dispersão e domínio sob o globo. Sim, a razão fundamental do medo é garantir mecanismos de alerta, instantaneamente nos pôr a decidir: fugir ou enfrentar.
Ela sempre optara pelas fugas, como sabemos, detinha vasto arsenal sobre as melhores rotas – ainda que a fantasia fosse sua predileta, lembremos. Ali, era rainha, ali não existia razão para medo, não havia necessidade de encarar o que fosse ou mesmo decidir por partir ou ficar – bastava apertar um botão e tudo voltava a programação normal.
O que tardou a ser compreendido por ela é que a necessidade de fuga era criada pelo próprio medo do medo, pela amedrontante perda do controle. Aqui também ele era mecanismo de sobrevivência, mas pela tangente. Buscava refutá-lo antes de encará-lo, afinal, não existindo real, não existirá insegurança, abandono – o desamparo é substituído pela segurança de uma tela em branco. Aqui, criara sua zona de segurança, a barragem não se romperia, enganara-se.
Mas, tal como a necessidade de controle constituíra-se como mecanismo de proteção ao medo, é chegada a hora que o abandonará – e não por gosto ou capricho, aqui, novamente, o acaso fez-se rei, determinou caminho. Não adianta negar, não adianta debater-se, ela sabe, e, por isso, apenas chora, ‘podia ter feito algo, podia ter segurado’, mas quem é capaz de frear a água? Agora é devorada pelo medo, esse real, esse que a obriga – definitivamente – a sair de sua fantasia.
O nó na garganta quer enforcá-la, tenta segurar o choro, tenta prender-se a razão, tenta dizer que está tudo bem, é inútil, fora devorada pelo real. Não há volta, o caminho escrevera-se sem pedir sua opinião, apenas trazendo o gozo dos seus desejos à tona. ‘Não era por isso que rogara? ’, perguntam. ‘Não fora para isso que trabalhara todos esses anos? ’, ela apenas chora, o medo lhe escorre pelo rosto.
Sim, sabe que desejara muito, mas na exata proporção do seu temor, ‘na teoria seria bonito, em minha fantasia mais ainda’. Eis que não terá tempo de planejar seus passos, de antever seu curso, aqui, é apenas abandono e, tal como esse céu, é apenas fagulha do que ousara um dia ser. A angústia a devora – é nuvem em si.
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