top of page

TRAJETÓRIAS PARA O REAL
APRESENTA
MARINAWÁ
Por Feller
Aquela música, bendita música, sabia a força que tinha ao juntar-se com tantos outros rumores, vozes e choros. Sim, aproximava-se do insuportável, mas, tal chamado do precipício, não conseguia deixar de ouvi-la, a aproximava de um passado seu, de um momento que bem tentara esquecer. Jamais havia aceitado ceder, ‘não, não quero abraço, aconchego ou consolo’, preferia-se assim, ‘a emoção profunda não deve ser revelada à olhos incautos’, sabe que apenas calada encontra seu caminho.
Queria acreditar que o problema residia na aparente impotência diante de si, ‘emoções fortes me delatam’, ela sabia. Por isso não queria sentir nada, negava-se a sentir – acha que consegue, ‘sim, nessas horas, melhor não sentir’, ela pensa. Sabe que se largar à dor ocuparia o espaço que seria melhor aproveitado pela razão, aqui a necessitava. O desejo por ela não era à toa, advinha de uma barragem rompida, cujos dejetos pareciam ter passado despercebidos, sim, interpolavam-se entre anos de descaso e anos de esquecimento, em que a única regra era gritar por eles, jamais por si. Agora chora por ambos.
Repensa, então, sobre as fantasias que habitavam a dicotomia que vinha tentando entender, razão e emoção, ‘sim, ambas podem ser cruéis, ambas podem ser fantasias’. Entende que consegue, no ato de pensar, sentir tal fúria, a ponto de encontrar nela a mesma emoção que a tempos sentira, a força apenas encontrava-se em movimento oposto. Fazia tempo que não ousava ver sua face. Aqui, nada de belo havia, a razão apontava-se apenas como caminho pragmático e objetivo, ‘o concreto, sujo e acossantemente real revelara-se’, a que seguir, 'e por este lado'.
Houve momentos em que acreditava que o sentir seria sua única fonte de realidade, de verdade e beleza inegáveis, mas quer algo mais inconteste do que aquela música que, em giros infinitos, a dominava agora? E, justo aqui, quando o sentir parecera tocar à campainha, ela saia em disparada. Optara em ver o bárbaro como prato sob a mesa, a ser deglutido, com a força de uma razão que sequer sabia ter, ‘havia esquecido? ’, alguém questiona. Não tem respostas, apenas entende que uma parte sua, ‘a menina pragmática que um dia conheci’, ainda estava ali, e justo no pior momento, justo com a mais linda canção, ela aparecia para lhe salvar.
Talvez seja o único consolo que lhe caiba agora, a floresta havia devorado parte de si, violenta e brutalmente. Não há desculpas, não há sentimento, tampouco lhe interessam as emoções. Aqui entende-se apenas espelho da brutalidade com que é tocada, não há outra face a oferecer, não há compaixão, nem trégua. Deseja a razão, quer garfo e faca para traçar o que vier pela frente, pratos rasos não a saciam, bem sabe, aqui a fome é gigante, 'como ele', encantados lhe sopram.
Obrigada por trazer-me de volta, a brutalidade também é caminho, reconhece. O céu ofereceu o que cabia, fez sua tentativa. Agora é sujo e podre, agora a realidade haverá de moldar-se ao que enxerga, ‘e que venha nua’. Sabe que anda no rumo certo. Um carro, batido para impressionar, funcionou.
bottom of page