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TRAJETÓRIAS PARA O REAL
APRESENTA



Rio Doce


Por Feller
                     Que estranhamento era esse que começava a sentir? Ela não sabia, parecia apenas que aquele céu decomposto alimentava a água com seus tons. Pensa que talvez seja isso uma melhor forma de trazer o céu à terra, transformando a água numa vênus roseada e abandonando, definitivamente, àquele céu -antigo capacho da razão- que a obrigava, pela dor, a assumir sua limitação.

                          Esse pensamento a acalmava, afinal, a lembra que, dias atrás, a água tivera outros tons, e vindos de baixo, de uma terra negra e amarga, ‘sim, não a deixara palatável’, servira apenas de consolo ao olhar atento que ali sustentava certa beleza - ainda que ofuscada. Não conseguira, à época, entender. Agora tampouco consegue enxergar com nitidez, tudo se tornava reflexo daquele céu, daquele rio, daquele mar que em si transbordava.

                            Admite que, à medida que os dias passaram, havia sido capaz de perceber a movimentação, a negritude começava a abandona-la à medida que outra canção a adentrava, ritmada com o movimento do seu corpo, que somente lograva interromper-se pelo gemido compartilhado com os vizinhos. Sim, o sorriso lhe era indomável, ‘não consegue esconder, não é? ’, não, ela admitia que não. Contentava-se, porém, em reconhecer sua motivação, acredita ser culpa do céu, ‘sim, este mesmo que me sorri agora’, este, testemunha involuntária da mudança que ocorrera em si, mas que não pertencia somente a si. ‘Vem de fora, mas encaixa aqui dentro’, ela confessa.

                         Refletindo agora, percebe a dificuldade de pensar sobre, estranhamente não consegue, ‘é o rosa desse rio, só pode’, ela diz, ‘como posso não pensar? ’. Parece não saber como explicar, mas sente que algo aumentava seu vento e a conduzia para uma direção inequívoca, ‘fora o fogo? ’. Novamente não sabe bem, mas já não se culpa pela ausência de respostas, percebe apenas que o vento corre bem com o fogo, ‘as labaredas avançam mais em campo aberto’, recorda. Deve ser daí o rosa que reflete neste rio doce, somente abandonando os algoritmos mentais ele pudera se chegar, 'há palavras, mas elas já não são suficientes'.

                              Na água que ainda a habita, sente que o vento encontrara a brasa, de modo que a locomotiva parece avançar sobre trilho próprio, nele consegue perceber as mudanças da paisagem - muda fora, muda dentro -, compreende que a partir dali o que se observaria pela janela seria distinto, embora desejado. Entende, ao fim, que havia brasa dentro daquela música, seus pés já não são mais motivo de discórdia, entende o encaixe como resposta. Finalmente o céu lhe respondia, ‘não, não é terra, nem água’. O sentir é fogo, e nele o vento se esvai.
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