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TRAJETÓRIAS PARA O REAL
APRESENTA
Ser sol
Por Feller
Confrontada com aquele cenário ela pensava, ‘como seria bom vencer essa batalha também'. Naquele céu, ela conseguia enxergar a si mesma, havia algo dentro dela que gostaria de sair, mas ainda era muito dolorido. Questiona se havia sido a partida inesperada ou os restos que ainda a faziam sangrar. Não sabe, é pessoa sem respostas e, hoje, coberta de nuvens. Quer brilhar, não encontra forças.
Queria apenas poder voltar a subir aquelas escadas e o encontrar ali, com sua camiseta rosa preferida. Queria adentrar novamente em seu universo, de perdas e lamentos, rever suas velhas memórias espalhadas entre as caixas que recolhiam os pedaços que, em vão, ele tentava dar algum sentido. Queria poder ouvir a verdade de tudo aquilo que aquele nó na garganta interrompia no trajeto, mas ele não as queria deixar partir. As mensagens contorcidas dentre as veias de seu pescoço o delataram, não havia volta, ela o entendia.
A lembrança de seu sorriso enferrujado ainda hoje a comovem, havia um lamento tão grande naquele olhar, não de pena ou grande sofrimento - não eram de seu feitio, nele apenas entrevia-se uma fúria mal disfarçada e um choro querendo romper. Mas ele apenas estoura um champanhe e celebra um amanhã de sonho e maresia, sim, lá, num futuro, ele há de ser feliz. Ela oferece o pão em solidariedade.
Nesta peregrinação, esquece de si, novamente. Tem por hábito mudar os sapatos de sua solidão, acompanhando caminhadas alheias. Mas ela se acolhe, entende o conforto de ser testemunha de memórias alheias, ali fora calor para uma alma confusa, ali as nuvens não a pertenciam - seu céu era outro, distante e na felicidade de ser palavra, sem abreviação. Agora, trocara de lugar com seu anfitrião, agora ela é lamento e apenas deseja caixas para guardar seus restos.
Quer guardar o bom e o ruim do perverso destino que lhe coubera. Quer esconder retratos, imagens, o choro e o abandono de si que a acompanharam. Quer colocar tudo naquela velha estante, de preferência nas prateleiras mais altas, assim, tão cedo não as verá. Quem sabe em alguns meses a mudança chegue pra ela, as nuvens rompam-se e, tal qual a vitória sobre aquele céu, ela também saiba ser sol.
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