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TRAJETÓRIAS PARA O REAL
APRESENTA

Cortina de Fumaça

Por Feller

                   De onde ouvira a explicação, fazia sentido. Outros sentidos, porém, nela despertaram. Parecia uma discussão qualquer, uma espécie de explicação prática de uma estratégia ancestral. Explicava-se com estórias paralelas e atores metamorfoseados o tanto que uma cortina de fumaça poderia ser útil, ainda que ineficaz.

                 Ela entendia, sim, sua função. Lembrava de tantas outras semelhanças com suas próprias estórias. Explico. Quando tudo tende a ruir, cabe a mente buscar estratagemas de fuga. Ela lembrava essa função, advinda do medo, que alertava desde os primórdios sobre as duas opções: fugir ou lutar. A cortina de fumaça, certamente enquadrava-se na primeira.

                Não era de seu feitio fugir, afora para suas próprias projeções mentais de conforto. Sim, para ela a fantasia e conforto das palavras traziam alento as suas próprias frustrações, enfim, um ciclo completo e fechado - fantasia-frustração-fantasia. Mas as estórias que ouvira eram diferentes, não eram passíveis de fantasia, ainda que bastante frustrantes. Eram reais e, pior, eram extremamente cruéis e definitivas.

            Poderia compreender alguém se apaixonar pela enfermeira enquanto seu pai está prestes a morrer. Afinal, quando ele parte, alguma sensação de vida permanece existindo dentro de nós. Do contrário, morreríamos de bom gosto ali mesmo. Ou quem sabe criar uma paixão súbita e a distância, que capture todas as nossas energias de conquista, quando outro pai está prestes a se despedir da vida. Aqui, ao contrário da primeira estória, caberia a ideia de que conseguimos mudar algo, nos esforçando muito. Não salvar o pai, mas manter alguma capacidade de controle do destino.

           Ambas podem ser meras distrações também, para muito além da necessidade de vida ou controle sobre ela. Pode ser apenas o medo nos obrigando a lutar com as armas psicológicas que dispomos, quando já não podemos fugir da estupidez cotidiana.  O que ela faria? Seu feitio, já sabemos, é de fugir para as próprias fantasias, mas aqui, ela se encolhe e engole o choro – tudo bem, algumas lágrimas podem até acompanhar a cena. Mas, tal criança, espera algum conforto e segurança para poder desabar. E vai desabando aos poucos, em dias esparsos, com cenas pequenas, indelicadezas rotineiras e memórias que insistem em voltar ao palco.

              Roga por alguma cortina de fumaça, ela não vem. Precisa encarar o medo, fugir já não é opção. É necessário abandonar-se a si mesma, não ter qualquer esperança. Agora o choro vem, aqui, torrencial, parecendo que nunca mais vai embora. Destrói lares, desbarranca morros, suja os rios. Sim, com ou sem cortina, uma hora o real bate - já havia sucumbido as pequenas cortinas que lhe ofertaram, sabia o gosto, sabia que não adiantava. Lamenta o tempo que demorou para percebê-las, afinal, nem sempre eram tão confortáveis. Agora é aguardar, o rio vai serenar e o céu vai ganhar novos tons, sem cortinas dessa vez. 

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